I
Feliz aniversário, mestre Marugananda, eu não vou poder ficar e ajudar na sua festa por causa dessa mulher, Taki, a hóspede peruana que estava aqui no retiro semana passada. Foi ela quem me mostrou esse leque de penas de pavão quando estávamos do outro lado do rio hoje, durante o aarati, e que comprei e ofereço de presente pro senhor.
Perdoe meu egoísmo, volto a Rishikesh no começo do ano.
Om namah Shivaya.
Seu discípulo fiel,
Gopala Reinaldo.
II
Reynaldo, cariño,
Me alegra que te gusta la Diablada, la bailo desde que soy niña. Quiero bailarla para ti todos los días en Machu Picchu y sé que las montañas te encantarán. Mañana nos vemos en el aarati, ¿vale? Besote,
Taki.
III
Me aceitaram, enfim, aos vinte e três anos, não sem desconfiança, e já velho para os padrões orientais de iniciação espiritual. Rasparam a minha cabeça em frente ao Ganges, enquanto na outra margem do rio o corpo de um homem morto era preparado para os ritos fúnebres. Felicidade é estar nesta margem do rio.
Entreguei meus cabelos às águas maternais e secularmente sedentas de alguma oferenda – impressão típica de quem ainda ignorava as monções indianas e seus momentos menos auspiciosos. Houve, então, minha imersão e batismo no Ganges e logo me deram as roupas brancas, os chinelos de dedos, a pintura tilaka na testa e meu nome hindu, o que naquela hora preencheu minha taça, transbordou, mas agora não me diz nada. Felicidade é não precisar mais preencher taças.

IV
Hoje Taki está dançando. Reuniões como esta são raras aqui, mas os peruanos são tão adoráveis e musicais que nem mesmo o Swami se opôs. O corpo de Taki é grande, roliço e expele amor, a cabeça raspada realça o sorriso de gigante que seu rosto nem tenta conter. Os lenços brancos, um em cada mão, giram em seus pulsos como se com eles girassem também os monges, os noviços e toda a sala de meditação. Os iniciados começam a sussurrar que Taki ainda é uma mulher e, apavorados, fogem para suas celas ou para o pátio, tentando encontrar um lugar onde Taki não esteja dançando.
V
Durou pouco mais de duas horas. Eu estava na floresta já fazia três dias, uma prática austera de silêncio e contemplação. O ar livre me agrada, mas nem por isso não me entedia. Sem falar que eu ainda teria um final de semana inteiro de introspecção pela frente, ou seja, nada mais natural do que tirar um intervalo para descer a montanha, nada mais natural que todos tenham dias ruins, mas, ao que parece, ninguém gosta de entrar em um bar e ver um monge bebendo.